Quando eu era bébé, dormia muito, pois qualquer barulho que pudesse haver, não me incomodava porque já era surdo. Os meus pais ainda não sabiam.
Quando eu tinha 6 meses, só gritava, não fazia aquele palrear normal dos bebés, mas os meus pais pensavam que era normal, pois estavam longe de imaginar o problema que se seguia.
Quando a minha mãe ficou grávida da minha irmã, eu tinha nove meses e levava- me sempre com ela.
O médico começou a estranhar de eu só gritar e disse à minha mãe para marcar uma consulta numa psicóloga em Beja.
Fui a essa consulta e a senhora disse que eu ouvia, não falava porque era preguiçoso e todas as semanas ia àquela consulta.
Andei lá um ano, mas os meus pais já estavam chateados, porque eu estava sempre na mesma.
Então a psicóloga marcou- me uma consulta de Otorrinolaringologista com um médico que era amigo dela.
Quando fomos a esse médico, ele esteve a observar-me e disse que se eu fosse surdo era pouco, marcou um exame que vim fazer a Lisboa, teve que ser feito com anestesia geral para eu não me mexer. Esse exame então acusou surdez severa à direita e profunda à esquerda.
Foi um choque muito grande para os meus pais. Depois fui encaminhado para o hospital de Santa Maria, onde fui atendido por um médico muito jovem que, quando viu os exames que a minha mãe levava, disse aos meus pais que eu não era surdo, rindo-se na cara deles e receitou-me o Maxilase e o Actifed para tomar durante 3 meses. Nesta altura, eu já tinha quase três anos.
Ao fim desses três meses, fomos a outra consulta e fomos atendidos pelo mesmo médico que voltou a dizer que eu não era surdo. Então a minha mãe, já irritada, disse ao médico que era muito bom que eu não fosse surdo, mas, infelizmente, era preciso ela gritar para eu ouvir alguma coisa.
O médico, ao ouvir a minha mãe, resolveu encaminhar-me para outro médico mais experiente e esse então explicou tudo aos meus pais e passou a receita das próteses que eu tinha que usar, pois o meu problema não tinha cirurgia possível, só mesmo as próteses podiam ajudar alguma coisa e, claro, uma equipa de apoio, incluindo terapia de fala e Língua Gestual.
Esse foi outro problema que os meus pais tiveram que enfrentar, porque viviamos em Vila Nova de Milfontes e lá não havia nada do que eu precisava. Só em Beja, mas, de Milfontes a Beja levavamos 2 horas de carro, o que era muito cansativo, e quando lá chegava já não queria fazer nada.
Então o meu pai, que era Guarda-Fiscal, pediu transferência para vir o mais rápido possível, pois eu já tinha perdido muito tempo.
Mas teve que passar para a G.N.R. para poder vir mais rapidamente.
A minha mãe não trabalhava e então não teve problema nesse campo.
Entretanto, a minha irmã teve um problema numa perna e teve que ficar internada no hospital de ortopedia, em Montemor, durante um mês, e a minha mãe teve que ficar lá com ela.
Foi mais uma dificuldade para mim. Nunca tinha ficado sem a minha mãe. A minha avó paterna foi para a minha casa tomar conta de mim, mas eu estava revoltado e, um dia, tirei uma prótese e atirei-a pela varanda de um 2º andar. A minha avó ficou muito aflita, mas, felizmente, a prótese não se estragou.
Entretando, o meu pai foi transferido para Lisboa e nós ainda ficámos em Milfontes seis meses, até o meu pai arranjar casa e organizar a vida.
Quando comecei a ter apoio tinha 4 anos depois havia outro problema: eu precisava de andar num infantário para conviver com crianças ouvintes, só que os infantários estavam cheios.
Então no infantário Pica-Pau, no Seixal, deixaram que eu fosse todos os dias 2 horas, mas a minha mãe tinha que estar comigo, pois eles não se podiam responsabilizar por mim.
De manhã, ia para o Pica-Pau e, de tarde, ia para a Cruz de Pau para o apoio, só que não havia terapia da fala e a minha mãe ia duas vezes por semana comigo a Alhos Vedros.
Aos 5 anos, entrei na pré-primária, na Escola nº2 de Paio Pires e aí já era uma Senhora que ia dar-me apoio lá.
Aos 6 anos, entrei na primária e aprendi a ler logo no primeiro ano, graças a uma professora que era exclente e que nos ensinou a ler não só a mim, mas também a todos os meus colegas ouvintes, porque nesta turma só eu é que era surdo.
Através de gestos (cada letra tinha um gesto) e, apesar destes não serem iguais aos verdadeiros gestos que eu aprendia com a rofessora de Língua Gestual, nunca fiz confusão e aprendi a ler rapidamente.
O meu horário escolar era de manhã e depois, de tarde, ia para a Cruz de Pau ter apoio, Língua Gestual e terapia da fala. Nesta altura, já havia terapia da fala na Cruz de Pau.
Aos 7 anos, fiz o 2ºano também em Paio Pires e aos 8 passei para a escola nº1 dos Foros de Amora, pois o apoio foi introduzido naquela escola.
Abalava de casa às 7 horas da manhã no autocarro da câmara, entrava às 8 horas na escola na turma de crianças ouvintes e saía às 13 horas. Depois ia para A.T.L., que era nessa mesma escola. Almoçava e ia para o apoio toda a tarde até às 18 horas. Depois o autocarro ia-me buscar e chegava a casa às 19 horas. Era muito cansativo, tomava banho, jantava e ia para a cama, quase não tinha tempo para estar com a minha irmã e com os meus pais.
No 4ºano foi a mesma coisa. Perdi o ano e voltei a repeti-lo.
Quando vim para a escola 2,3 da Cruz de Pau, já fiquei com mais tempo livre. E, nesses tempos livres, a minha mãe ajuda-me muito, pois ela nunca trabalhou para me dar toda a assistência que eu tenho precisado. Agora é que anda a trabalhar, porque eu já sou grande, apesar de precisar ainda muito da ajuda dela como, por exemplo, para fazer este trabalho e os trabalhos de casa.
No Verão, estava triste porque já tinha acabado o 9ºano, na Escola Básica 2,3 da Cruz de Pau, e ia começar uma nova etapa de vida, mais longe de casa, num ambiente desconhecido.
Em Setembro mudei para outra escola, esta escola chama-se "Escola Artística António Arroio" e é em Lisboa. A escola é maior do que outra escola, tem um intérprete para eu perceber as coisas dos trabalhos. Mas não tenho intérprete a todas as disciplinas, só inglês, filosofia, história e projecto. Tenho mais dificuldade na disciplina de história porque as perguntas são muito complicadas e a professora fala muito, eu fico confuso. Eu gosto mais da disciplina de inglês porque na aula corre tudo bem, depois aprendo uma língua estrangeira e é bom para um futuro trabalho porque o inglês é a língua mais falada em todo o mundo. Eu gosto da escola, mas é um pouco cansativo porque levanto-me às 6:30h, depois apanho muitos transportes, o autocarro, o barco e o metro. Na verdade, tem aspectos positivos, vejo muitos pessoas, o barco quase sempre cheio, o rio, a ponte, casas, o trânsito... observo, aprendo... cresço!
É assim a história da minha vida que, apesar de não ser muito longa, já tem muito que contar.
Mas, apesar de tudo isto, tenho sido muito feliz.
Quando eu tinha 6 meses, só gritava, não fazia aquele palrear normal dos bebés, mas os meus pais pensavam que era normal, pois estavam longe de imaginar o problema que se seguia.
Quando a minha mãe ficou grávida da minha irmã, eu tinha nove meses e levava- me sempre com ela.
O médico começou a estranhar de eu só gritar e disse à minha mãe para marcar uma consulta numa psicóloga em Beja.
Fui a essa consulta e a senhora disse que eu ouvia, não falava porque era preguiçoso e todas as semanas ia àquela consulta.
Andei lá um ano, mas os meus pais já estavam chateados, porque eu estava sempre na mesma.
Então a psicóloga marcou- me uma consulta de Otorrinolaringologista com um médico que era amigo dela.
Quando fomos a esse médico, ele esteve a observar-me e disse que se eu fosse surdo era pouco, marcou um exame que vim fazer a Lisboa, teve que ser feito com anestesia geral para eu não me mexer. Esse exame então acusou surdez severa à direita e profunda à esquerda.
Foi um choque muito grande para os meus pais. Depois fui encaminhado para o hospital de Santa Maria, onde fui atendido por um médico muito jovem que, quando viu os exames que a minha mãe levava, disse aos meus pais que eu não era surdo, rindo-se na cara deles e receitou-me o Maxilase e o Actifed para tomar durante 3 meses. Nesta altura, eu já tinha quase três anos.
Ao fim desses três meses, fomos a outra consulta e fomos atendidos pelo mesmo médico que voltou a dizer que eu não era surdo. Então a minha mãe, já irritada, disse ao médico que era muito bom que eu não fosse surdo, mas, infelizmente, era preciso ela gritar para eu ouvir alguma coisa.
O médico, ao ouvir a minha mãe, resolveu encaminhar-me para outro médico mais experiente e esse então explicou tudo aos meus pais e passou a receita das próteses que eu tinha que usar, pois o meu problema não tinha cirurgia possível, só mesmo as próteses podiam ajudar alguma coisa e, claro, uma equipa de apoio, incluindo terapia de fala e Língua Gestual.
Esse foi outro problema que os meus pais tiveram que enfrentar, porque viviamos em Vila Nova de Milfontes e lá não havia nada do que eu precisava. Só em Beja, mas, de Milfontes a Beja levavamos 2 horas de carro, o que era muito cansativo, e quando lá chegava já não queria fazer nada.
Então o meu pai, que era Guarda-Fiscal, pediu transferência para vir o mais rápido possível, pois eu já tinha perdido muito tempo.
Mas teve que passar para a G.N.R. para poder vir mais rapidamente.
A minha mãe não trabalhava e então não teve problema nesse campo.
Entretanto, a minha irmã teve um problema numa perna e teve que ficar internada no hospital de ortopedia, em Montemor, durante um mês, e a minha mãe teve que ficar lá com ela.
Foi mais uma dificuldade para mim. Nunca tinha ficado sem a minha mãe. A minha avó paterna foi para a minha casa tomar conta de mim, mas eu estava revoltado e, um dia, tirei uma prótese e atirei-a pela varanda de um 2º andar. A minha avó ficou muito aflita, mas, felizmente, a prótese não se estragou.
Entretando, o meu pai foi transferido para Lisboa e nós ainda ficámos em Milfontes seis meses, até o meu pai arranjar casa e organizar a vida.
Quando comecei a ter apoio tinha 4 anos depois havia outro problema: eu precisava de andar num infantário para conviver com crianças ouvintes, só que os infantários estavam cheios.
Então no infantário Pica-Pau, no Seixal, deixaram que eu fosse todos os dias 2 horas, mas a minha mãe tinha que estar comigo, pois eles não se podiam responsabilizar por mim.
De manhã, ia para o Pica-Pau e, de tarde, ia para a Cruz de Pau para o apoio, só que não havia terapia da fala e a minha mãe ia duas vezes por semana comigo a Alhos Vedros.
Aos 5 anos, entrei na pré-primária, na Escola nº2 de Paio Pires e aí já era uma Senhora que ia dar-me apoio lá.
Aos 6 anos, entrei na primária e aprendi a ler logo no primeiro ano, graças a uma professora que era exclente e que nos ensinou a ler não só a mim, mas também a todos os meus colegas ouvintes, porque nesta turma só eu é que era surdo.
Através de gestos (cada letra tinha um gesto) e, apesar destes não serem iguais aos verdadeiros gestos que eu aprendia com a rofessora de Língua Gestual, nunca fiz confusão e aprendi a ler rapidamente.
O meu horário escolar era de manhã e depois, de tarde, ia para a Cruz de Pau ter apoio, Língua Gestual e terapia da fala. Nesta altura, já havia terapia da fala na Cruz de Pau.
Aos 7 anos, fiz o 2ºano também em Paio Pires e aos 8 passei para a escola nº1 dos Foros de Amora, pois o apoio foi introduzido naquela escola.
Abalava de casa às 7 horas da manhã no autocarro da câmara, entrava às 8 horas na escola na turma de crianças ouvintes e saía às 13 horas. Depois ia para A.T.L., que era nessa mesma escola. Almoçava e ia para o apoio toda a tarde até às 18 horas. Depois o autocarro ia-me buscar e chegava a casa às 19 horas. Era muito cansativo, tomava banho, jantava e ia para a cama, quase não tinha tempo para estar com a minha irmã e com os meus pais.
No 4ºano foi a mesma coisa. Perdi o ano e voltei a repeti-lo.
Quando vim para a escola 2,3 da Cruz de Pau, já fiquei com mais tempo livre. E, nesses tempos livres, a minha mãe ajuda-me muito, pois ela nunca trabalhou para me dar toda a assistência que eu tenho precisado. Agora é que anda a trabalhar, porque eu já sou grande, apesar de precisar ainda muito da ajuda dela como, por exemplo, para fazer este trabalho e os trabalhos de casa.
No Verão, estava triste porque já tinha acabado o 9ºano, na Escola Básica 2,3 da Cruz de Pau, e ia começar uma nova etapa de vida, mais longe de casa, num ambiente desconhecido.
Em Setembro mudei para outra escola, esta escola chama-se "Escola Artística António Arroio" e é em Lisboa. A escola é maior do que outra escola, tem um intérprete para eu perceber as coisas dos trabalhos. Mas não tenho intérprete a todas as disciplinas, só inglês, filosofia, história e projecto. Tenho mais dificuldade na disciplina de história porque as perguntas são muito complicadas e a professora fala muito, eu fico confuso. Eu gosto mais da disciplina de inglês porque na aula corre tudo bem, depois aprendo uma língua estrangeira e é bom para um futuro trabalho porque o inglês é a língua mais falada em todo o mundo. Eu gosto da escola, mas é um pouco cansativo porque levanto-me às 6:30h, depois apanho muitos transportes, o autocarro, o barco e o metro. Na verdade, tem aspectos positivos, vejo muitos pessoas, o barco quase sempre cheio, o rio, a ponte, casas, o trânsito... observo, aprendo... cresço!
É assim a história da minha vida que, apesar de não ser muito longa, já tem muito que contar.
Mas, apesar de tudo isto, tenho sido muito feliz.
André Muralhas